Para Refletir

O que você pensa quando falamos sobre locais em que moram crianças e adolescentes vítimas de negligência, abusos e agressões? Orfanato, abrigo? E a que essas palavras o remetem?

Quando trabalhava em um dos nossos projetos, eu recebia visitas de pessoas da comunidade que sempre questionavam se ali funcionava um orfanato, se poderiam adotar as crianças ou se era um abrigo, de que forma poderiam ajudar. Expunham em suas falas diversos preconceitos históricos, como um possível sofrimento e maus tratos a que as crianças poderiam ser submetidas ou o abandono delas pelos pais. Nesse momento eu orientava e explicava sobre o público atendido, o serviço oferecido e as mudanças que aconteceram.

Nossa proposta nesta edição é descrever melhor este tipo de serviço, do qual fazemos parte em Santo André. Na coluna Nosso Trabalho, falamos sobre o Lar São Francisco, um serviço de acolhimento institucional de crianças e adolescentes.

O termo Acolhimento Institucional entrou em vigor bem recentemente, em 2009, através da alteração do artigo 101, inciso VII da Lei n. 8069 de 13 de julho de 1990, do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Anteriormente, esta medida de proteção era denominada de “abrigo em entidade”. Basicamente as diferenças entre orfanato, abrigo e acolhimento são as seguintes:

Orfanato era a nomenclatura utilizada antigamente para determinar um estabelecimento que recebia crianças e adolescentes em situação de abandono. Esta instituição era puramente assistencialista, sendo regulamentada pelo Código de menores a partir de 1979. As crianças abandonadas tinham ali uma estadia permanente, até encontrarem uma nova família. O ambiente era institucionalizado, ou seja, os atendimentos eram feitos em grandes grupos, sem levar em consideração a individualidade. Todos os serviços eram prestados no local de moradia, sem permitir a inserção comunitária.

Abrigo em entidade foi o termo utilizado de 1990 até 2009, período em que o Código de Menores foi substituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Esta instituição era regulamentada pelo ECA e tinha como diferenciação do orfanato o oferecimento de moradia provisória para crianças e adolescentes, com foco no retorno destas às famílias ou encaminhamento para famílias substitutas. O ambiente era familiar e o atendimento feito em pequenos grupos, facilitando a visão da individualidade. Passou a utilizar a rede de serviços comunitários, como escolas, centros comunitários, ONGs e postos de saúde, promovendo a inserção comunitária.

Acolhimento Institucional é a nomenclatura utilizada para este tipo de serviço desde 2009 em função da alteração do artigo 101 do ECA. Esta nova modalidade trouxe como diferencial em seu serviço algumas mudanças significativas, como a diminuição do tempo de acolhimento (sendo o ideal até 2 anos), atendimentos individualizados de acordo com o perfil de cada acolhido (Plano de Atendimento Individual), inclusão das crianças destituídas do poder familiar na relação do Cadastro Nacional de Adoção e a ampliação da inserção comunitária através de serviços públicos e parcerias nos atendimentos prestados.

Segundo Roberto Silva, em sua pesquisa intitulada Os Filhos do Governo (1998), podemos distinguir algumas fases dos modelos assistencialistas no Brasil:

De 1550 a 1874, a prática comum era a filantropia, em que se destacava o papel das Santas Casas de Misericórdia, com a famosa Roda dos Expostos, em que as crianças eram deixadas e depois encaminhadas para famílias que as criavam.

De 1874 a 1922 entramos na fase filantrópica-higienista, em que o foco estava na saúde das crianças. Nesse período, destacaram-se as amas de leite, que alimentavam e faziam a ponte entre os expostos e outras famílias.

De 1924 a 1964 entramos no modelo assistencial, em que foi desativada a Casa dos Expostos e criado o Juizado de Menores, sendo que a criança órfã e abandonada e os adolescentes até os 18 anos ficavam sobre a tutela do Estado.

De 1964 a 1990, no período chamado “institucional pós-64”, é criada a FUNABEM (Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor) no âmbito federal e a FEBEM no estadual, pautadas no Código de Menores de 1979, com práticas transportadas do militarismo para os internatos de crianças e adolescentes.

Após a Constituição de 1988 o Código de Menores foi revogado e substituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

De 1990 até os dias atuais entramos no período da desinstitucionalização, respaldado pela Constituição e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, estendendo a responsabilidade sobre crianças e adolescentes também à sociedade civil, garantindo o direito à convivência familiar e comunitária.

Acolhimento passa a ser o termo utilizado atualmente, e tal palavra tem um significado muito mais abrangente do que um abrigo. Acolher significa respeitar, garantir os direitos, contribuir para o pleno desenvolvimento físico, emocional, mental, espiritual, educacional, social e familiar. Significa trabalhar em prol de uma reestruturação familiar, de forma que a criança/adolescente possa novamente estar inserida em um ambiente familiar adequado. Acolher é ter carinho, amar, cuidar, ouvir. É abraçar, comemorar e chorar juntos.

Seguindo as orientações e parâmetros para o funcionamento das entidades de acolhimento (Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes de 2009 e Lei 12.010/99), é fundamental que os profissionais recebam cursos de qualificações constantes com reflexão e formação e que tenham o perfil de cuidadores, educadores, engajados na luta por uma sociedade mais justa e humanitária.

É importante conscientizarmos as pessoas sobre as mudanças de nomenclaturas e conceitos ocorridos com o passar dos anos, desfazer preconceitos e contribuir para maior participação e envolvimento comunitário no processo. Assim, as mudanças serão mais que uma simples alteração na nomenclatura das instituições.

Escrito por Andrea Garcia Romani de Lemos

Psicóloga

Andrea Garcia Romani de Lemos

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