Nossa História

Olá, pessoal! Paz, graças e comida pra todos...

Vamos dar seguimento na seção Nossa História com a retrospectiva do que chamamos Projeto De Volta Pra Casa, que consiste em buscar e localizar as famílias de nossos moradores(as).

Essa história foi escolhida, entre os mais de 200 retornos à família, por ser uma das mais ou a mais antiga. É o caso do Sr. Joaquim Gomes, um senhorzinho de idade bem avançada indicada pelos cabelos grisalhos. Homem muito desconfiado, falava pouco, mas que marcou um dos primeiros casos de reconhecimento da atuação do IMA em outubro de 2003.

Logo no início do IMA nosso trabalho era apenas com pessoas em situação de rua; idosas e/ou com necessidades especiais.  

O reconhecimento de nossa ação se deu pela chegada do Sr. Joaquim que foi o único caso até hoje que não veio encaminhado pelas técnicas da prefeitura do centro POP e sim, trazido por outro morador de rua que dizia que a rua não era lugar pro Sr. Joaquim, com quem dividia uma garagem abandonada próximo ao shopping ABC em Santo André. Ele dizia que Sr Joaquim precisava de um lugar que cuidasse dele com carinho e dignidade, Por isso o trouxe para nós. Ele mesmo não quis ficar, porque não queria tirar o lugar de pessoas que realmente precisavam mais da vaga, como o do amigo.

Sr. Joaquim era muito desconfiado, curioso, quase não falava ao chegar. Descobrimos depois que essa não era uma característica pessoal dele, pois com o tempo foi se acostumando, criando vínculos e falando pelos cotovelos,

Era muito engraçado, contador de “causos” e muito exigente. Os relatos eram que sempre possuiu muitos bens, que se fizéssemos suas vontades seriamos bem recompensados, pois possuía várias fazendas em Minas Gerais, mais de 200 veículos, incluindo caminhões e carros importados e muitas empresas, entre elas a Petroquímica União (hoje Brasken).

Entre seus delírios e manias de grandeza tinha algumas falas recheadas de detalhes que não poderia ser fruto apenas de sua mente criativa, tinha muita verdade nos “causos”.

Numa delas me disse que sua principal fazenda era a “Boa Esperança” em Serrania-MG. Isso me chamou atenção, pois essa cidade fica apenas uns 17 km da minha cidade. Percebi que se tivesse alguma verdade em suas histórias eu acharia por ali. Pesquisei e realmente existia uma grande e tradicional fazenda Boa Esperança em Serrania, entrei em contato com minha família de Alfenas, vizinha a cidadezinha da fazenda e contei o ”causo” dele. Começaram as buscas por algo que ligasse Sr. Joaquim à fazenda. Lá, minhas irmãs psicólogas, atendem também policiais militares da região e comentaram sobre o Sr. Joaquim e para agradá-las um sargento, que atuava na cidadezinha de Serrania, começou averiguar a possível ligação da fazenda Boa Esperança e o nosso morador.

Não demorou muito e me ligaram dizendo que a fazenda era propriedade de uma família importante e tradicional da região, que não era o Sr. Joaquim, mas alguém lembrou que, há muitos anos, houve um vaqueiro muito bom por lá que chamava Joaquim Gomes.

O sargento então gostou do “causo” e passou a investigar melhor e descobriu um possível sobrinho já que uma ex-mulher e filhos sumiram e demais familiares eram falecidos.

Entrei em contato com o possível sobrinho e marcamos dele vir até  o IMA pra tentar reconhecer o tio. No dia marcado ele veio e realmente Sr. Joaquim era seu tio, falaram de pessoas e lugares que indicaram o parentesco, mas não precisava ser muito técnico pra entender que Sr. Joaquim não o reconheceu, pois ele estava desaparecido há mais de 32 anos e, quando saiu de casa, Sergio, seu sobrinho, era apenas um garoto de 8 anos. Ele disse que o Sr Joaquim sumiu de lá por um desentendimento familiar e nunca mais retornou, Já era dado como morto por todos.

Bom, constatado o parentesco o que faríamos agora? O sobrinho voltou pra casa e no dia seguinte ligou dizendo que queria ficar com o tio. Perguntei ao Sr. Joaquim se gostaria de voltar pra Serrania e viver com a família e pra meu espanto aceitou na hora, o problema que o sobrinho era muito simples e não tinha condições financeiras pra vir novamente à Santo André buscar o tio.

Conseguiram seus documentos e nos mandaram. Com os documentos e ajuda das técnicas do centro POP de Santo André conseguimos seu direito ao benéfico do INSS de um salário mínimo, que ajudaria muito a manter o Sr. Joaquim com o sobrinho. As técnicas do centro POP conseguiram uma verba e um carro da prefeitura pra levar Sr. Joaquim pra casa e marcaram o primeiro sábado de novembro pra o recâmbio.

No dia e hora marcada estava o carro e as técnicas do centro POP no IMA para levar Sr. Joaquim a Serrania-MG. Qual não foi a surpresa de todos quando ele disse que não iria com elas. Perguntado se havia desistido de voltar pra casa ele disse que não, mas com elas não iria. E não foi.

O sobrinho com tudo arrumado ficou frustrado, durante a semana conversei com Sr. Joaquim que me disse que não foi com elas, pois não as conhecia e desconfiava que elas o abandonassem em algum lugar qualquer que não fosse sua casa. Provavelmente isso já devia ter acontecido com ele em alguma situação parecida,

Fiquei emocionado com o relato, como não pensamos nisso antes? Ele não conhecendo as técnicas profundamente e já tendo sido enganado antes não ia agora, aos 72 anos de idade, se arriscar numa aventura como essa. Perguntei se eu fosse levá-lo se iria? Disse que comigo iria sim, então marquei de irmos no sábado seguinte.

Fomos eu, ele, minha esposa e minha filha. Foi no banco de trás com minha filha conversando e contando “causos” a viagem inteira. Paramos algumas vezes pra descansar e tudo estava bem. Prometeu um de seus carros pra minha filha escolher, um Dodge Dart 0 KM pra minha esposa e um helicóptero pra que eu pudesse voltar mais rápido pra minha casa.

Chegando então na cidade outra surpresa, depois de 32 anos achou o lugar bonito, mas queria ir pra “Serrania”, não aquele lugar. Tudo estava diferente pra ele, não se reconheceu ali. Chegamos na casa do sobrinho, uma casa simples, mas ampla e bem montada,

Sr. Joaquim foi muito bem recebido. A nova família o acolheu com muito carinho, foi espantoso um sobrinho que mal o conheceu 32 anos antes, o acolher agora, já de idade, porém muito mais espantoso foi a esposa do sobrinho que nunca o tinha visto aceitar dividir a casa e passar a cuidar dele, pois o Sergio sairia pro trabalho e ficaria fora o dia todo.... Realmente uma atitude de acolhimento cristão. Parabéns...

Saímos meio de fininho com medo que ele não quisesse ficar, com isso minha filha não pode escolher o carro dela, minha esposa não pegou Dodge e claro que eu perdi a oportunidade de ter um helicóptero. Mantivemos contato por bom tempo e o Sr, Joaquim ficou bem na nova casa, nos meses seguintes se tornou personagem importante na cidade na qual muita gente ia a sua casa conhecê-lo e os mais antigos iam bater papo, ouvir seus “causos” e o resignificar no local.

 

Escrito por Roberto de Andrade Júnior

Coordenador Geral

Roberto de Andrade Júnior

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