Nossa História

A Campanha da Fraternidade de 2003 teve o tema da “Fraternidade e os Idosos”, como resposta a essa reflexão. Num gesto concreto de adesão, um grupo de professores do curso popular de teologia e agentes de pastoral da Paróquia Santa Rita de Cássia em Santo André aceitou o convite de assumir um projeto de acolhimento de moradores e ex-moradores de rua, em sua maioria idosos. O medo e a insegurança são os primeiros sentimentos que nos assolam nesses momentos.

Nossa primeira reunião aconteceu na casa de um dos atuais diretores, Alceni Silva. Era uma noite de sexta-feira, o Roberto Rodrigues, atual coordenador geral, trouxe a proposta, vinda de uma conversa entre ele, diretores da prefeitura de Santo André e o Pe. Jairo, no sentido de assumirmos a casa que, na época, era administrada diretamente pela prefeitura e abrigava cerca de 23 ex-moradores de rua.

Éramos um grupo bem heterogêneo, mas afinados em relação ao ideal e à prática pastoral em defesa dos pobres e excluídos. Lembro-me de que as discussões foram intensas, aliás, como sempre em nossas reuniões. Alguns, mais cautelosos, achavam que era um passo largo demais; outros, arrojados, tinham a certeza de que o chamado vinha diretamente de Deus e por isso não podíamos recusar.

Decidimos aceitar a proposta, ancorados na experiência de anos do Roberto com esse tipo de trabalho em São Paulo, na igreja São José do Ipiranga. Redigimos o rascunho do estatuto e fundamos o Instituto Monsenhor Antunes. Lembro-me bem de que, quando chegamos em casa, a Tânia, minha esposa, disse: “o que estamos fazendo? Onde estamos nos metendo? O Roberto é doido”, num típico sentimento de vertigem, medo do desconhecido e ao mesmo tempo vontade de abraçar o projeto.

Iniciar praticamente do nada um empreendimento destes não é fácil, ainda mais com tão pouco recurso disponível. A nossa segunda reunião foi mais realista – e engraçada. Foi no salão de festas da Paróquia Santa Rita, todos sentados em volta daquelas mesinhas de bar. Surpreendi-me muito quando percebi que o sentimento de medo e insegurança estava presente nos outros membros do grupo também. Percebi que a intenção era desistir do projeto quando, ao chegar em casa, “a ficha caiu” pra todo mundo. Vários membros do grupo expuseram sua posição, não nos sentíamos preparados o suficiente para assumir uma tarefa tão importante, de modo que foi necessária a ação de um personagem importante para o desenlace da situação: o padre de nossa paróquia, que, na verdade, havia trazido a proposta de um amigo seu da prefeitura de Santo André.

O Pe. Jairo ficou surpreso e desapontado com nossa insegurança. Explicitou melhor a proposta, disse que era a oportunidade de abraçarmos a causa de uma forma concreta, significativa e permanente. Não seria apenas uma ação concreta da Campanha da Fraternidade como fazíamos sempre, mas um projeto consistente e transformador. Contou-nos de suas experiências no trabalho com crianças em sua congregação, de sua convicção na mudança das estruturas da sociedade e que nós podíamos, de fato, também fazer parte disso. Deu-nos algumas dicas de como poderíamos solucionar os problemas que já estávamos tendo, orientou-nos quanto ao melhor caminho a seguir. Enfim, foi o Pe. Jairo que, inspirado pelo Espírito Santo, nos deu força e coragem para iniciar o caminho.

A nossa adesão ao programa foi decidida por se tratar de um trabalho com adultos, moradores de rua, com necessidades especiais, ou seja, os excluídos dos excluídos, pois era intenção da prefeitura pegarmos um projeto com crianças, o que acabamos fazendo posteriormente (Lar São Francisco).

É interessante que este personagem tão importante sumiu de nossas vidas. O Pe. Jairo logo saiu de nossa paróquia, onde pouco fez para, de fato, nos ajudar na instalação e concretização da instituição e do projeto. Perdemos o contato com ele e hoje nem sabemos onde está. Virou até uma piada interna da instituição.

Durante muito tempo, o Alceni, quando desanimado e cansado do trabalho e dos problemas, indignado com o “sumiço” do padre, nos inquiria: “onde está o Jairo agora, que nos colocou nessa fria e sumiu?”. Com muita alegria e senso de humor, sempre lembramos de que cada um tem sua participação no nosso projeto. A do Pe. Jairo foi “apenas” essa, ele acendeu a chama em nossos corações e foi embora.

Ao longo desses anos pudemos comprovar que ele estava certo, não estávamos preparados, mas fomos nos qualificando e aprendendo a servir melhor. Como diz o velho provérbio, Deus não chama os qualificados, ele qualifica os chamados.

Escrito por Edson Eziquiel

Professor de Teologia e Fundador do IMA

Edson Eziquiel

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